PREFÁCIO


Escrevo este livro num momento de profunda inquietação e reflexão. Como jovem arquiteto português, encontro-me numa luta pessoal e profissional que reflete os desafios da nossa sociedade. Após ter emigrado na sequência da crise económica que assolou Portugal, regressei ao meu país para testemunhar uma nova crise, desta vez no setor da habitação.

A impossibilidade de escolher uma casa não é apenas uma realidade distante; é uma experiência pessoal que partilho com muitos jovens da minha geração. Somos confrontados diariamente com preços inacessíveis, falta de oferta habitacional e um mercado imobiliário que parece excluir-nos sistematicamente. Esta situação não é apenas frustrante—é insustentável. O que me surpreende e inquieta profundamente é a apatia generalizada face a este problema. Como cidadão, sinto-me incrédulo e alarmado pela falta de ação tanto da população como dos especialistas.

As conversas de café estão repletas de queixas e lamentos, mas raramente se traduzem em mobilização ou intervenção concreta. Os jovens, em particular, parecem desmotivados para sair à rua e fazer ouvir a sua voz. As manifestações são escassas e pouco participadas, o que enfraquece a pressão necessária para impulsionar mudanças efetivas.O governo, por seu lado, tem apresentado medidas que considero insuficientes e pouco eficientes. A sensação de estagnação é palpável, e a urgência em encontrar soluções torna-se cada vez mais premente. Foi precisamente após a manifestação nos Aliados, no dia 28 de setembro, que esta necessidade de agir se tornou incontornável para mim. Desde esse dia, este tema tem ocupado os meus pensamentos de forma incessante.

Acredito firmemente que as reivindicações e protestos são fundamentais, mas devem ser acompanhados de propostas concretas e viáveis. Não basta apontar os problemas; é essencial apresentar soluções que possam servir de base para a mudança que todos desejamos ver implementada. Foi com este propósito que decidi escrever este livro. Este livro surge da necessidade premente de abordar esta crise de forma objetiva e estratégica.

Analiso diversas propostas que têm sido apresentadas para solucionar o problema habitacional, identificando aquelas que, na minha perspetiva, são menos sustentáveis e eficientes. Reconheço que medidas como o controlo rígido de rendas, a construção massiva de novas habitações sem planeamento adequado e os subsídios habitacionais mal direcionados não têm produzido os resultados desejados e, em alguns casos, têm até agravado a situação.

Propomos, assim, uma solução alternativa centrada na revitalização das nossas cidades através da reabilitação de edifícios devolutos. Portugal possui cerca de 720 mil imóveis devolutos, uma riqueza imobiliária subutilizada que representa uma oportunidade única para aumentar a oferta habitacional de forma rápida, económica e sustentável.

A reabilitação destes imóveis pode contribuir para a regeneração urbana, preservação do património cultural, redução da pressão nas periferias e promoção de uma ocupação urbana mais equilibrada.

É essencial que a sociedade portuguesa reconheça a gravidade da crise habitacional e se mobilize para encontrar soluções sustentáveis e duradouras. A revitalização urbana através da reabilitação de imóveis devolutos oferece uma oportunidade real para transformar esta crise numa alavanca de desenvolvimento, promovendo cidades mais justas, inclusivas e sustentáveis.

É fundamental o envolvimento de diferentes agentes neste processo. Construtoras, associações, partidos políticos e câmaras municipais devem colaborar de forma integrada para alcançar soluções eficazes.

A formação de uma equipa multidisciplinar, composta pelos melhores profissionais de cada área, pode ser determinante para enfrentar este desafio de maneira coordenada e eficiente. Apenas através da cooperação entre os diversos setores da sociedade poderemos desenvolver e implementar estratégias que respondam às necessidades reais da população.

Este livro é um convite à reflexão e à ação. Pretendo estimular o debate e incentivar a participação ativa de todos os cidadãos. Acredito que a mudança não pode ser alcançada individualmente, mas sim através do esforço coletivo e da mobilização de todos os setores da sociedade.

Esforcei-me para ser o mais objetivo possível na elaboração desta proposta, consciente de que existem múltiplas perspetivas e soluções potencialmente eficazes. Não pretendo desvalorizar outras abordagens, mas sim apresentar aquela em que acredito e explicar detalhadamente as razões que me levam a defendê-la.

Convido-vos a percorrer estas páginas com a mente aberta e o espírito crítico. Mais do que um livro, desejo que este trabalho seja um ponto de partida para o diálogo, a mobilização e a implementação de soluções que possam transformar a realidade habitacional em Portugal. A mudança está nas nossas mãos. Que este seja o início de um caminho coletivo rumo a cidades mais justas, inclusivas e sustentáveis.

Porto, 30 de setembro de 2024